Um inimigo à espreita em você

Saúde espiritual1 mês atrás15 Visualizações

Por definição, autoimunidade é falha funcional onde sistema imunológico não consegue distinguir antígenos de tecidos saudáveis e acaba atacando células normais do próprio organismo. Parte do corpo entra em guerra contra outra parte. Diabetes tipo 1 destrói células pancreáticas. Esclerose múltipla ataca revestimento de nervos. Artrite reumatoide deteriora cartilagens articulares. Corpo contra corpo, sem vencedor possível.

Agora aplique essa metáfora ao que você chama vagamente de “alma” ou “consciência” – aquele senso interno de quem você é, seus valores, sua integridade, sua coerência como pessoa. Observe honestamente: você provavelmente está em guerra civil espiritual permanente. E diferente de doenças autoimunes físicas que você não escolheu, essa você alimenta ativamente todos os dias.

A herança tribal que fragmenta você

Durante cerca de 150 mil anos de evolução comportamental moderna, humanos viveram em grupos tribais pequenos de 50 a 150 indivíduos. Identidade pessoal era inseparável de identidade tribal. Você era membro do seu clã, ponto final. Valores eram valores do grupo. Comportamentos aceitáveis eram ditados por normas tribais rígidas. Contradição entre self privado e persona pública era impossível porque não havia esfera privada – todo comportamento ocorria sob vigilância constante do grupo.

Conformidade extrema com normas tribais era adaptativa porque ostracismo significava morte quase certa. Não havia sociedade alternativa para ir se fosse expulso. Então seleção natural favoreceu intensamente humanos que internalizavam completamente identidade tribal e sentiam angústia visceral diante de possibilidade de rejeição social.

Você herdou essa programação. Por isso sente necessidade profunda de pertencer, de ser aceito, de conformar com expectativas de grupo. Problema é que mundo moderno não tem apenas uma tribo. Você simultaneamente pertence a dezenas de grupos com valores frequentemente contraditórios.

Múltiplas tribos, múltiplas identidades

Você é membro de família com certos valores, profissional em ambiente corporativo com ética diferente, cidadão de país com ideologia específica, participante de comunidade religiosa ou filosófica com princípios próprios, consumidor bombardeado por mensagens capitalistas, indivíduo com desejos pessoais que frequentemente conflitam com todas essas identidades coletivas.

Cada “tribo” moderna exige versão diferente de você. Versão que você apresenta na empresa é diferente da versão que apresenta para pais, que é diferente da versão que apresenta para cônjuge, que é diferente da versão que mostra para amigos, que é diferente da pessoa que você é quando está completamente sozinho.

Ancestrais não enfrentavam esse problema. Tinham identidade única e coerente porque pertenciam a grupo único e coerente. Hoje, é normal ter dez identidades parcialmente conflitantes porque pertence a dez grupos com expectativas parcialmente conflitantes. E mecanismo psicológico que evoluiu para manter coerência tribal simples não consegue gerenciar essa complexidade moderna.

Resultado: fragmentação interna. Guerra civil onde diferentes versões atacam umas às outras. Parte que quer segurança financeira sabota parte que quer realização criativa. Parte que quer ser autêntica ataca parte que precisa ser aceita. Parte que tem valores nobres entra em conflito com parte que age por algum interesse.

Dissonância cognitiva como autoimunidade

Psicólogos chamam esse desconforto que se sente quando age contra valores declarados de “dissonância cognitiva”. Mas isso subestima a severidade do fenômeno. Não é apenas desconforto mental abstrato. É ruptura na integridade estrutural do self.

Quando se age repetidamente de forma inconsistente com valores que afirma ter, não está sendo hipócrita. Está ativamente destruindo coerência interna necessária para funcionar como pessoa integrada. É como sistema imunológico atacando tecido saudável, parte de você destrói outra parte.

E pior: para reduzir dissonância insuportável, desenvolve-se mecanismos de defesa que aumentam a fragmentação. Racionaliza comportamentos contraditórios através de narrativas convenientes. Evita autorreflexão que exporia inconsistências. Mantém compartimentos mentais rigidamente separados para que identidades contraditórias não tenham que se confrontar diretamente.

Isso não é solução. É manutenção de doença crônica.

Polarização externa reflete fragmentação interna

Observe polarização ideológica extrema que caracteriza sociedade moderna. Não é apenas sobre política. É sobre identidade tribal ancestral aplicada inadequadamente a questões complexas que não admitem respostas tribais simples.

Escolhe-se a tribo ideológica – esquerda ou direita, progressista ou conservador, nacionalista ou globalista – e então adota-se automaticamente pacote completo de posições tribais mesmo quando algumas contradizem diretamente a experiência ou raciocínio independente. Por quê? Porque mecanismo tribal ancestral exige lealdade absoluta ao grupo como condição de pertencimento.

Quando se demoniza quem pensa diferente politicamente, quando se considera impossível que pessoas inteligentes e bem-intencionadas possam chegar a conclusões opostas às ‘suas’normais’, quando trata discordância como traição moral, não há mais racionalidade. Está se operando em modo tribal paleolítico onde diferença de opinião dentro do grupo era ameaça à coesão necessária para sobrevivência.

Mas aqui está o que ninguém percebe: polarização externa feroz frequentemente reflete fragmentação interna que não se quer confrontar. Projeta-se para fora a guerra civil que ocorre dentro.

O custo da guerra interna

Viver em estado de autoimunidade espiritual tem custo visceral. Fragmentação interna consome energia psíquica massiva. Manter múltiplas identidades contraditórias, suprimir contradições óbvias, racionalizar comportamentos inconsistentes, evitar autorreflexão honesta – tudo isso exige esforço cognitivo constante.

Resultado: vive-se cronicamente exausto mesmo sem fazer nada fisicamente desgastante. Experimenta-se vazio existencial que nenhuma conquista externa preenche porque não tem self coerente para receber essas conquistas. Sente-se ansiedade difusa sem objeto claro porque o sistema de alerta interno detecta ameaça à integridade do self mas não consegue identificar a fonte. Desenvolve-se depressão que nenhum antidepressivo resolve porque o problema não é desequilíbrio químico mas fragmentação estrutural da identidade.

Não se pode viver bem em guerra civil permanente consigo mesmo.

Interrompendo a guerra

Diferente de doenças autoimunes físicas que frequentemente não têm cura, autoimunidade espiritual é tecnicamente reversível. Mas exige algo brutalmente difícil: honestidade radical consigo mesmo.

Primeiro passo: reconhecer a fragmentação sem julgamento moral. Você é um humano moderno lidando inadequadamente com complexidade que o cérebro ancestral não foi desenhado para gerenciar. Mas reconhecimento é necessário porque não se pode tratar problema que não se admite existir.

Segundo: identificar especificamente onde há descompasso entre valores declarados e ações reais. Não genericamente – especificamente. Onde se diz que X é importante mas age como se Y fosse a prioridade? Onde se julga comportamento Z nos outros mas faz exatamente Z quando conveniente?

Terceiro: escolher deliberadamente quais valores e identidades realmente importam versus quais apenas performa para audiências específicas. Não se pode ser tudo para todos. A tentativa de manter coerência com expectativas contraditórias de múltiplas tribos garante fragmentação permanente. É necessário escolher conscientemente quem é, sabendo que isso significa decepcionar algumas tribos.

Quarto: agir consistentemente com valores escolhidos mesmo quando isso gera desconforto social. A programação tribal ancestral vai gritar que é necessário se conformar com expectativas de grupo para sobreviver. Mas não se vive mais em savana onde ostracismo significa morte. Vive-se em sociedade complexa onde podemos encontrar novas tribos que ressoam com self autêntico em vez de performar para tribos que exigem fragmentação.

Coerência!

Integridade espiritual não significa perfeição moral. Significa coerência entre quem você afirma ser e quem você realmente é quando ninguém está olhando. Significa não carregar múltiplas identidades em guerra interna permanente. Significa que diferentes contextos da vida expressam aspectos diferentes de self, mas coerents,e em vez de revelar pessoas fundamentalmente contraditórias.

Isso não acontece automaticamente. É projeto deliberado de vida inteira. Mas a alternativa é péssima, é permanecer em estado de autoimunidade espiritual – fragmentado, exausto, vazio, cronicamente em guerra consigo.

Cuide da sua saúde espiritual. Porque ninguém fará isso por você.

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