O que seus exames de glicemia não revelam

Saúde física1 mês atrás16 Visualizações

Vamos começar com alguns conceitos fundamentais sobre como o nosso corpo funciona. Não se preocupe com termos técnicos – vou explicar tudo de forma clara.

Um adulto de 70 quilos tem cerca de 5 litros de sangue percorrendo todo o corpo. Esse sangue leva alimento e oxigênio às células, retira resíduos indesejáveis e o gás carbônico, e por onde trafega um sem número de substâncias para os nossos processos homeostáticos.

Nesses 5 litros de sangue estão circulando também cerca de 4 a 5 gramas de glicose. Isso equivale a uma pequena colher de chá. Em outras palavras, no jargão médico, isso significa uma taxa de glicemia normal, que varia entre 80 e 100 mg/dL de sangue.

A perspectiva do excesso

Para dar uma perspectiva de como isso é pouco comparado ao que muitas pessoas ingerem diariamente na alimentação moderna: uma pequena lata de suco industrializado tem em média 35 gramas de açúcar. Ao ingeri-la, o organismo tem que lidar com todo esse excesso de forma radical, pois agora a taxa de glicemia sobe expressivamente, e o organismo lutará para voltar à normalidade.

E isso é feito da seguinte forma: quando sobra glicose no sangue, ela é armazenada nos nossos músculos e no fígado na forma de glicogênio. O fígado armazena até 7% do seu peso em glicogênio. A função desse glicogênio hepático é manter a glicemia do corpo entre as refeições. Ele é a forma de armazenar glicose que poderá ser exportada para qualquer lugar do corpo que tenha necessidades energéticas.

Os dois hormônios fundamentais

Existem dois hormônios relacionados ao metabolismo do glicogênio: a insulina e o glucagon.

A insulina é responsável por transportar a glicose do sangue para dentro de cada célula. Ela é a chave que abre as membranas celulares para que esse verdadeiro combustível chegue onde ele é processado. Sem a insulina, as células simplesmente não teriam como absorver a glicose.

Quando o corpo está com hiperglicemia – ou seja, com altas taxas de glicose, o que ocorre logo após refeições fartas em carboidratos – a insulina age com outras enzimas para que ocorra a estocagem de glicose em forma de glicogênio no fígado e nos músculos.

Os verdadeiros excessos, aqueles que ultrapassam a capacidade de armazenamento em glicogênio, são transformados em outro tipo de armazenagem: as gorduras corporais. E a insulina está bastante presente nesse processo também. Por isso dizemos que a insulina é um hormônio lipogênico – ou seja, que promove a formação de gordura.

Em outro processo metabólico, é o glucagon o responsável pela quebra do glicogênio e a liberação de glicose quando o corpo está hipoglicêmico, o que ocorre entre as refeições. O nosso corpo precisa manter um certo nível de glicose no sangue para fornecer energia para as células constantemente – entre 4 a 5 gramas no total.

Os dois tipos de insulina

Quem produz a insulina no nosso corpo é um órgão chamado pâncreas. E há dois tipos de insulina: a basal e a bolus.

A primeira, a insulina basal, é liberada de forma contínua no sangue para que as nossas células tenham acesso à glicose necessária e produzam energia. Já a insulina bolus é liberada em grandes quantidades quando há o aumento expressivo de açúcar no sangue, após uma refeição.

Se a glicose ideal está entre 80 a 100 mg/dL, a nossa insulina ideal está entre 2 a 5 mili-unidades por litro de sangue. Essas taxas precisam ser verificadas em jejum de 8 horas, quando hipoteti

camente estamos em completo estado basal – ou seja, funcionando sem os excessos das refeições. Portanto, é em jejum que fazemos a medição da nossa insulina basal.

O que é resistência insulínica

Agora vamos entender o que acontece quando o sistema fica sobrecarregado. Açúcar aumentado no sangue aumenta também a insulina. A insulina constante, em altas doses, estressa os receptores nas células, que passam a não mais processá-la adequadamente.

Quando chegamos nesse estágio, os nossos níveis de açúcar no sangue ficam muito elevados e os de insulina também. É como se as células estivessem “surdas” ao sinal da insulina.

Vou usar um exemplo para tornar mais claro: quando uma pessoa entra em uma sala com um perfume intenso, doce, forte, é até desconfortável permanecer ali. Contudo, depois de uns 5 ou 6 minutos, deixamos de perceber o cheiro, pois os nossos sensores olfativos ficam saturados e passam a não mais perceber aquela fragrância.

Ocorre algo similar com as nossas células e a insulina. Praticamente todas as células do nosso corpo têm receptores para a insulina. Com o tempo e o excesso contínuo, as nossas células passam a não mais ter sensibilidade à insulina.

Isso é resistência insulínica.

A raiz do problema evolutivo

Aqui está o contexto histórico que explica por que isso acontece com tanta frequência hoje: a história do ser humano no planeta remonta a mais de 3 milhões de anos. Em 99,9% desse período, o alimento era escasso na natureza.

A nossa genética foi moldada por condições extremas de falta de recursos – no caso, alimentos. O homem passou todo um longo ciclo evolutivo fazendo apenas uma grande refeição diária, ou uma dessas refeições a cada dois ou três dias.

Só muito recentemente foi inventada a agricultura e, mais recente ainda, a industrialização e a distribuição abundante de comida na forma de carboidratos. De forma simplificada, podemos dizer que durante muito tempo o nosso organismo precisou produzir muito pouca insulina para controlar os excessos, e agora a situação se inverteu radicalmente.

Se traçarmos um comparativo entre a nossa alimentação há 100 mil anos e agora, muitas pessoas injetam no corpo diariamente de 6 a 10 vezes mais insulina que os nossos antepassados. Multiplique isso por 20 ou 30 anos e temos condições ideais para o desenvolvimento da resistência insulínica.

A causa número um da diabesidade

A nossa alimentação moderna, tanto no cardápio quanto nos hábitos, está criando as condições ideais para a resistência insulínica – a causa número um da diabesidade.

Diabesidade é um termo cunhado para designar a coexistência de duas doenças crônicas: a diabetes e a obesidade. Essas doenças se desenvolvem de forma multifatorial – ou seja, não têm uma origem única, mas são resultado de diversos fatores ambientais, comportamentais e, sim, também genéticos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a obesidade é um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. Hoje, cerca de 27% dos habitantes do planeta estão com sobrepeso, e 9% do total são obesos. Por outro lado, há 670 milhões de pessoas diabéticas no planeta – uma em cada 11 habitantes.

Em 1980, eram 108 milhões de diabéticos para uma população total de 5 bilhões de pessoas – uma em cada 47. Analisando esses números, vemos que os casos de diabetes saltaram de 2,1% do total da população para 9,1% em pouco mais de 35 anos.

A síndrome metabólica

A chamada prevalência de diabetes analisada em uma população entre 20 e 79 anos é de 8%. Quando analisamos a faixa dos 65 aos 79 anos, essa taxa sobe para 19%.

Por quê? Porque ao longo das décadas, de forma lenta e gradual, muitas pessoas vão ganhando peso – gorduras acumuladas de forma excessiva que ajudam a promover e acelerar ainda mais a resistência insulínica.

A síndrome metabólica é caracterizada pela associação de fatores de risco para as doenças cardiovasculares – como ataques cardíacos e derrames cerebrais – além da diabetes. Ela tem como base a resistência das células à ação da insulina. É, portanto, uma condição da civilização moderna, frequentemente associada à obesidade, como resultado de padrões alimentares inadequados e do sedentarismo.

A questão genética

Vale mencionar: existem vários biótipos humanos, cada um com suas características. Por causas genéticas, há pessoas que naturalmente produzem muito pouca insulina, e há aquelas que têm resistência insulínica quase de nascença.

Pessoas que produzem pouca insulina geralmente são magras, muito magras – são aquelas que podem comer de tudo e não engordam. E há também aquelas que, por questões genéticas, produzem muita insulina e engordam muito facilmente.

Esses casos são os pontos fora da curva estatística – ou seja, são exceções comparadas à grande maioria da população. Para a maioria das pessoas, a resistência insulínica se desenvolve ao longo de anos de exposição a padrões alimentares modernos.

O verdadeiro alvo do tratamento

Aqui está algo que vale a pena considerar: o verdadeiro combate para quem tem diabetes ou está desenvolvendo resistência insulínica não é apenas a taxa de glicemia. É a taxa de insulina basal.

A glicemia elevada é o sintoma visível. Mas a insulina cronicamente elevada é a causa subjacente que precisa ser endereçada. E isso raramente é medido em exames de rotina.

Muitos tratamentos focam em controlar a glicemia através de medicamentos. Mas se a insulina basal permanece cronicamente elevada, o problema de base continua. As células continuam sendo bombardeadas com insulina, a resistência persiste ou piora, e mais medicamentos se tornam necessários ao longo do tempo.

Caminhos possíveis

A boa notícia é que a resistência insulínica, para a maioria das pessoas que a desenvolveram através de padrões alimentares modernos, pode ser revertida. Mas isso geralmente exige mudanças tanto no cardápio quanto nos hábitos alimentares.

Não há uma fórmula única que funcione para todos. Mas compreender o mecanismo da resistência insulínica – como as células ficam saturadas pela exposição constante à insulina elevada – é ponto de partida para estratégias mais efetivas.

O desafio não é apenas o que comer, mas também como e quando comer de formas que permitam aos níveis de insulina baixarem entre as refeições, dando às células oportunidade de recuperar sensibilidade.

Cuide da sua saúde física. Porque ninguém fará isso por você.

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