O ideal inalcançável que te mantém doente

Saúde espiritual1 mês atrás22 Visualizações

“Mens sana in corpore sano” – mente sã em corpo sadio. É expressão em latim que provavelmente ouviu em algum momento da vida, talvez na escola.

Hoje ela tem a ver com a ideologia do homem saudável. Mas a frase é na verdade pequena parte de resposta que o poeta romano Juvenal deu a uma questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida.

A tradução completa é: “Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são. Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte, que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza.”

Apesar de Juvenal fazer apologia ao caráter e às virtudes como caminho para vida tranquila e longeva, a frase foi arrastada pelos modismos e tendências criadas ao longo dos séculos. Hoje virou slogan para ideologia da saúde perfeita.

A definição impossível

A Organização Mundial da Saúde oferece esta definição: “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doenças.”

À primeira vista, parece definição abrangente e positiva. Mas examine mais cuidadosamente. Um estado de completo bem-estar. Completo. Em todas as dimensões. Simultaneamente.

Essa definição tem sido alvo de inúmeras críticas ao longo das décadas, pois um estado de completo bem-estar faz com que a saúde seja algo ideal, inatingível, impossível de se estabelecer metas realistas.

Pense honestamente: quantas pessoas conhece que experimentam completo bem-estar físico, mental e social ao mesmo tempo? E por período prolongado?

Talvez ninguém. Porque é padrão impossível.

A armadilha do ideal inalcançável

Transformar saúde em ideal inalcançável cria dinâmica problemática. Se saúde perfeita é o padrão, então qualquer desvio desse padrão vira problema a ser resolvido.

Sente dor ocasional nas costas? Problema. Experimenta ansiedade em situações estressantes? Problema. Tem conflitos ocasionais em relacionamentos? Problema. Não dorme perfeitamente todas as noites? Problema. Sente-se cansado às vezes? Problema.

Cada imperfeição, cada desconforto, cada momento de não estar em completo bem-estar se torna evidência de falha. E se há falha, deve haver solução. Deve haver intervenção. Deve haver produto ou serviço que corrija.

Isso cria espaço interessante para o que podemos chamar de ecossistema de saúde: indústria médica, indústria farmacêutica, indústria alimentícia, indústria do esporte, indústria de bem-estar. E onde há indústria, há interesses econômicos envolvidos.

O ecossistema que responde ao ideal

É importante ser claro: não se trata de conspiração maligna onde indústrias deliberadamente criam problemas para vender soluções. A realidade é mais nuançada.

Há aspiração humana legítima por saúde e bem-estar. Sempre houve. O problema é quando essa aspiração é canalizada em direção a ideal impossível de perfeição, criando demanda infinita por intervenções que prometem aproximar desse ideal.

E as indústrias, sendo reflexo da sociedade e respondendo a demandas do mercado, naturalmente fornecem produtos e serviços que prometem preencher esse gap entre realidade imperfeita e ideal inalcançável.

Suplementos que prometem energia perfeita. Exercícios que prometem corpo perfeito. Dietas que prometem saúde perfeita. Terapias que prometem bem-estar mental perfeito. Práticas de mindfulness que prometem paz interior perfeita.

Nada disso é inerentemente ruim. Muitas dessas intervenções têm valor real. O problema é quando se tornam parte de perseguição infinita de perfeição que, por definição, nunca pode ser alcançada.

A impossibilidade de completo bem-estar

Ser humano é experimentar desconforto. É parte da condição humana. Dor física ocasional. Ansiedade em situações desafiadoras. Tristeza diante de perdas. Conflitos em relacionamentos. Cansaço após esforço. Dúvidas sobre escolhas.

Nada disso indica falha ou doença. Indica humanidade.

Mas quando padrão é completo bem-estar em todas as dimensões o tempo todo, essas experiências humanas normais são patologizadas. Transformadas em problemas que precisam ser corrigidos, idealmente através de produtos ou serviços disponíveis no mercado.

Isso não melhora saúde. Cria ansiedade sobre saúde. Gera sensação perpétua de inadequação. Alimenta ciclo de busca por soluções que nunca satisfazem completamente porque o objetivo é impossível.

A busca infinita

Se saúde perfeita é inalcançável mas deve ser buscada, sempre há espaço para mais. Mais produtos. Mais serviços. Mais intervenções. Mais otimizações.

Está dormindo 7 horas? Poderia dormir 8. Está fazendo exercício 3 vezes por semana? Poderia fazer 5. Está comendo relativamente bem? Poderia comer perfeitamente. Está gerenciando estresse razoavelmente? Poderia eliminar todo o estresse.

Não há ponto de chegada. Não há momento em que pode dizer “alcancei saúde” e simplesmente viver. Sempre há próximo nível, próxima otimização, próxima meta que aproximará mais – mas nunca completamente – do ideal impossível.

E essa busca infinita consome recursos – tempo, dinheiro, energia mental – que poderiam ser direcionados para viver a vida em vez de otimizar perpetuamente as condições para viver.

A alternativa da aceitação

Há abordagem diferente: definir saúde não como completo bem-estar mas como capacidade de funcionar razoavelmente bem apesar de imperfeições inevitáveis.

Saúde como ter energia suficiente para fazer coisas que importam, não energia perfeita o tempo todo. Saúde como conseguir gerenciar estresse de forma que não seja incapacitante, não eliminação de todo estresse. Saúde como ter relacionamentos suficientemente bons apesar de conflitos ocasionais, não harmonia perfeita constante.

Isso não é resignação. É realismo. É reconhecimento de que ser humano inclui imperfeição, desconforto, limitações. E que tentar eliminar todas essas coisas em busca de ideal impossível pode ser mais prejudicial que simplesmente aprender a viver razoavelmente bem com elas.

Saúde suficientemente boa

Há conceito em psicologia de “mãe suficientemente boa” – ideia de que criança não precisa de mãe perfeita, apenas de mãe que seja boa o suficiente na maior parte do tempo. Perfeição não é necessária. Adequação é.

Talvez saúde devesse ser pensada similarmente. Não saúde perfeita, mas saúde suficientemente boa. Boa o suficiente para viver vida significativa. Boa o suficiente para fazer coisas que importam. Boa o suficiente para experimentar momentos de bem-estar mesmo que não seja completo ou constante.

Isso alivia pressão impossível de perseguir ideal inalcançável. Cria espaço para aceitar imperfeições normais sem patologizá-las. Permite direcionar energia para viver em vez de otimizar perpetuamente.

Saúde versus saúde perfeita

Cuidar razoavelmente da saúde é valioso. Fazer escolhas que suportam funcionamento corporal adequado, bem-estar mental razoável, conexões sociais suficientes – tudo isso contribui para vida boa.

Mas perseguir saúde perfeita definida como completo bem-estar em todas as dimensões o tempo todo não é cuidar da saúde. É formar de neurose moderna onde nada nunca é suficientemente bom.

E ironicamente, essa perseguição de perfeição frequentemente prejudica a saúde real. Cria ansiedade. Gera sensação de inadequação perpétua. Consome recursos que poderiam ser usados para viver. Transforma meios (saúde) em fins (perseguição de ideal impossível).

O papel das indústrias

As indústrias de saúde e bem-estar não são vilãs nessa dinâmica. São participantes respondendo a demandas reais.

Se há aspiração por saúde perfeita, haverá produtos e serviços prometendo ajudar a alcançá-la. Se há ansiedade sobre qualquer desvio de ideal impossível, haverá intervenções prometendo corrigir esses desvios.

Responsabilidade não é apenas das indústrias. É compartilhada com indivíduos que compram esses produtos e serviços. E com cultura que promove ideal de perfeição em todas as áreas da vida, incluindo saúde.

Redefinindo o objetivo

Talvez valha redefinir o que se busca. Não saúde perfeita como definida pela OMS – completo bem-estar em todas as dimensões o tempo todo. Mas saúde funcional – capacidade de viver razoavelmente bem apesar de imperfeições inevitáveis.

Isso não significa não cuidar da saúde. Significa cuidar de forma realista, reconhecendo limitações humanas em vez de lutar contra elas. Significa aceitar que desconforto ocasional, imperfeição, limitações são parte de ser humano, não problemas a serem eliminados através de consumo infinito de produtos e serviços.

Significa paz com a própria humanidade em vez de guerra perpétua contra qualquer desvio de ideal impossível.

A liberdade da suficiência

Há liberdade profunda em reconhecer que saúde suficientemente boa é suficiente. Que não precisa alcançar ideal impossível para viver bem. Que pode aceitar imperfeições normais sem patologizá-las.

Isso libera energia e recursos para viver em vez de otimizar perpetuamente. Libera atenção para coisas que realmente importam em vez de focar obsessivamente em alcançar estado que, por definição, é inalcançável.

E paradoxalmente, aceitar que saúde perfeita é impossível pode permitir experimentar mais momentos de bem-estar real do que perseguir perfeitamente o ideal impossível.

Cuide da sua saúde espiritual. Porque ninguém fará isso por você.

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