Perseverança exige sabedoria. Ou você está investindo em um projeto vazio

Saúde espiritual1 mês atrás9 Visualizações

Todos nós desejamos uma vida que valha a pena ser vivida. Uma vida próspera, emocionalmente bem resolvida, com conexões significativas, em um círculo motivador e enriquecedor. Por outro lado, imagino que não há ser humano que sonhe conscientemente em ter uma vida desperdiçada, vazia de propósito, sem deixar vestígios de significado.

A questão não é se você tem desejo ou determinação. A maioria tem. A questão é: você está perseverando nas coisas certas?

Os três níveis e o projeto vazio

Há três níveis no processo de realização. O primeiro é o desejo – através dele, você almeja algo, ambiciona alcançar, cria uma tensão em direção a um objetivo. Mas desejar sozinho não mobiliza, não constrói, não transcende.

O segundo nível é a determinação – uma forte inclinação, uma postura interna que gera o despertar para o movimento, uma energia que se volta ao objetivo. Quem é determinado busca um objetivo e não se desvia dele facilmente.

O terceiro nível é a obstinação – para além da determinação, há esse apego forte às próprias ideias e convicções. Perseverança, firmeza, constância necessária para chegar a um objetivo mesmo quando o imponderável se agiganta. Antes de ser teimosia, é paixão por realizar, por concluir um caminho escolhido.

Mas aqui está o que raramente se discute: obstinação é virtude apenas quando direcionada ao que realmente importa. Sem sabedoria sobre onde aplicá-la, perseverança vira apenas teimosia em perseguir o vazio.

Uma história sobre perseverar no projeto errado

Deixa eu contar uma história pessoal que ilustra isso de forma brutal.

Em março de 2010, decidi fazer uma experiência com algo em que nunca acreditei – jogar na loteria. O nome já diz tudo: loteria é acontecimento imprevisível, improvável, determinado pelo acaso. Não há controle. Não há consistência racional. As chances são planejadamente mínimas. Loteria não foi inventada para enriquecer ninguém – foi desenhada para recolher recursos dos incautos.

Mas justamente por ser isso – aleatório e longe de qualquer controle – decidi investir na experiência, já que sou pessoa muito racional. Dei uma chance ao improvável.

Resgatei uma memória familiar: meu pai jogava um cartão da mega sena com as datas de aniversário da família. Criei o meu: 4, 7, 13, 25, 27 e 58 – cinco datas de aniversário da minha família atual, mais um número sorteado por mim.

Impus uma regra: estava determinado a jogar em todas as extrações durante um ano inteiro, até o meu aniversário seguinte em março de 2011. Cinquenta e duas semanas.

Passou-se o primeiro mês. O segundo. O terceiro. Um incômodo começou a se instalar na minha rotina. No final do quinto mês, concluí que tinha apenas instalado um hábito incômodo sem sentido. A chance de ganhar com um cartão simples de seis números é de 1 em 50 milhões. Tende a zero. A probabilidade de morrer atingido por um raio é vinte e cinco vezes maior.

Em final de agosto de 2010, desisti. Racionalmente, fazia sentido.

Três anos depois, em dezembro de 2013, encontrei minha família planejando jogar na mega sena da Virada. No computador havia um aplicativo que avaliava os números. Por curiosidade, digitei os meus: 4, 7, 13, 25, 27 e 58.

Na tela: “Parabéns, na extração 1.216, em 22 de setembro de 2010, você teria ganho R$ 45 milhões e 800 mil reais”.

Vinte e três dias. Eu estava a vinte e três dias de me tornar milionário quando desisti.

Faltou-me obstinação. Mas será que jogar loteria era projeto digno de perseverança?

A sabedoria que falta à perseverança

Aqui está a lição profunda dessa experiência: perseverança sem sabedoria sobre onde aplicá-la é desperdício espetacular de uma vida.

Sim, faltou-me obstinação. Mas obstinação em quê? Em perseguir enriquecimento aleatório através de armadilha matemática desenhada para incautos? Em investir tempo e esperança em probabilidade de 1 em 50 milhões? Em alimentar ilusão de que felicidade viria de ganho financeiro súbito e não merecido?

Talvez o erro não tenha sido desistir da loteria. Talvez o erro tenha sido começar. E a lição real não é sobre falta de perseverança – é sobre falta de sabedoria em escolher no que perseverar.

Porque você pode ser obstinadamente teimoso em perseguir projetos vazios que não te realizam, não te engrandecem, não deixam nada de significativo quando você se vai.

O Pareto espiritual

Vilfredo Pareto observou que oitenta por cento da riqueza estava concentrada em vinte por cento da população. Esse princípio se expandiu: oitenta por cento dos resultados vêm de vinte por cento das ações.

Mas há um Pareto espiritual mais profundo: oitenta por cento das suas preocupações, esforços e obsessões provavelmente estão focados em coisas que não importarão quando você chegar ao fim da vida. E apenas vinte por cento estão direcionados ao que realmente eterniza.

Você persevera obstinadamente em construir carreira corporativa que te consome mas não te realiza. Persiste teimosamente em acumular recursos financeiros muito além do necessário, sacrificando décadas de vida por segurança que nunca se sente suficiente. Insiste em manter relacionamentos mortos por inércia. Permanece em ciclos de busca por validação externa que nunca preenche o vazio interno.

Tudo isso são os oitenta por cento. Você está sendo obstinado, sim. Mas em projetos vazios.

Por que você persevera no vazio

Durante centenas de milhares de anos de evolução, perseguir acúmulo de recursos fazia sentido adaptativo profundo. Estocar gordura corporal, acumular alimentos, buscar status dentro do grupo tribal – tudo isso aumentava chances de sobrevivência e reprodução. Perseverança nessas buscas era virtude evolutiva.

Você herdou esses impulsos. Por isso sente compulsão profunda para acumular, para buscar status, para perseverar em objetivos materiais mesmo quando racionalmente sabe que não te realizam. Circuitos neurais ancestrais não desligam só porque o ambiente mudou.

Mas o mundo moderno não é a savana paleolítica. Você não vive em escassez real onde acúmulo compulsivo determina sobrevivência. Vive em sociedade de abundância relativa onde necessidades básicas podem ser satisfeitas. Status social não determina mais se você sobrevive ou morre. Validação de grupo expandido de milhares nas redes sociais não tem valor adaptativo real.

Ainda assim, você persevera compulsivamente em perseguir acúmulo que não precisa, status que não importa, validação que não satisfaz. Porque impulsos ancestrais continuam operando. E na ausência de sabedoria sobre o que realmente importa, você desperdiça perseverança em projetos evolutivamente programados mas espiritualmente vazios.

O que realmente merece obstinação

Se perseverança é virtude limitada – você tem apenas uma vida, apenas tempo finito, apenas energia limitada para ser obstinado – então a questão crítica é: no que vale ser teimosamente persistente?

Não há resposta universal. Cada pessoa precisa responder por si através de reflexão profunda. Mas há princípios orientadores que transcendem impulsos evolutivos obsoletos.

Vale perseverar obstinadamente em conexões humanas genuínas. Não relacionamentos performáticos mantidos por obrigação social, mas vínculos profundos construídos com paciência, nutridos com presença, mantidos através de décadas não por inércia mas por escolha consciente renovada. Essas conexões justificam obstinação porque permanecem significativas independente de validação externa.

Vale perseverar em crescimento real como pessoa. Não acúmulo de conquistas externas para impressionar outros, mas desenvolvimento de compreensão, sabedoria, capacidades que te tornam mais completo. Esse tipo de crescimento exige perseverança de décadas mas produz transformação que ninguém pode tirar de você.

Vale perseverar em criar algo significativo que reflete seus valores autênticos. Não necessariamente obra reconhecida ou negócio lucrativo. Pode ser família construída com cuidado, comunidade nutrida com dedicação, conhecimento transmitido com paciência, beleza criada com amor. Qualquer coisa que permanece depois que você se vai e carrega vestígio de quem você realmente foi.

Vale perseverar em buscar experiências que justificam existência. Não entretenimento passivo que anestesia vazio, mas momentos de beleza que comovem, verdade que ilumina, conexão que completa. Esses momentos não se acumulam – vivem-se plenamente quando surgem. Mas criar condições para que surjam exige perseverança em manter abertura, presença, vulnerabilidade.

A escolha que define a vida

Obstinação é faculdade limitada. Você não pode ser teimosamente persistente em tudo. Precisa escolher. E essa escolha define se sua vida terá sido desperdiçada em projetos vazios ou investida no que realmente importa.

A maioria das pessoas não faz essa escolha conscientemente. Perseveram por inércia em objetivos que herdaram de expectativas sociais ou impulsos evolutivos. Trabalham obstinadamente por décadas em carreiras que não realizam porque “é o que se faz”. Acumulam teimosamente recursos que nunca usam porque circuito ancestral não sabe desligar. Mantêm persistentemente relacionamentos mortos porque medo de ostracismo tribal ainda opera mesmo quando ostracismo não significa mais morte.

E chegam ao fim descobrindo que foram obstinados em projetos vazios. Que perseveraram com determinação admirável em coisas que não importavam. Que desperdiçaram a única vida que tinham sendo teimosos nas coisas erradas.

A sabedoria necessária

Perseverança sem sabedoria é teimosia direcionada ao vazio. Obstinação sem clareza sobre o que realmente importa é desperdício de uma vida.

Você precisa de sabedoria para distinguir entre objetivos dignos de perseverança versus objetivos que apenas parecem importantes porque impulsos evolutivos ou expectativas sociais dizem que são.

Essa sabedoria não vem de seguir fórmulas ou conselhos externos. Vem de reflexão profunda e honesta sobre o que permanece significativo quando você remove todas as camadas de validação externa. Sobre o que você quer que reste quando chegar ao fim. Sobre que vestígios quer deixar da sua existência.

E então, com essa clareza, aplicar obstinação feroz apenas naquilo. Deixar o resto ir. Ser persistente no que eterniza. Abandonar sem culpa o que é transitório e vazio.

Porque no fim, o que importa não é se você foi obstinado. É se você foi obstinado nas coisas certas.

Cuide da sua saúde espiritual. Porque ninguém fará isso por você.

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