Sabedoria para soltar o remo na hora certa

Saúde espiritual1 mês atrás5 Visualizações

“Se o vento parar de soprar, reme.” É um dos conselhos mais repetidos sobre perseverança. Quando as coisas ficam difíceis, quando o impulso natural desaparece, quando obstáculos surgem – continue. Persista. Não desista. Reme mais forte.

E há sabedoria real nisso. Pesquisas psicossociais mostram que tendemos a desistir cedo demais, em um misto de desilusão e insegurança. Tendemos a nos arrepender mais do que deixamos de fazer, das desistências, dos abandonos, do que dos erros cometidos por tentar.

Mas ninguém te ensina o lado oposto dessa moeda: às vezes, a coisa mais sábia que você pode fazer é soltar o remo. Não por fraqueza. Não por covardia. Mas porque você desenvolveu sabedoria para reconhecer quando a janela fechou.

O estigma de desistir

Um estímulo permanente de competitividade e busca pelo sucesso nos leva a entender que o fracasso é um estigma, uma cicatriz, a marca desonrosa que devemos evitar a todo custo. Os que desistem têm de viver com seus erros ou despreparo, são mal vistos, rejeitados.

Essa rejeição promove efeitos em cascata, partindo de um mecanismo psicológico de defesa: quem desiste passa a não reconhecer quando deveria ter parado antes, entra em negação, foge da responsabilidade por ter persistido além do razoável, vivencia frustração profunda. E tem de tocar a vida adiante, agora com uma tripla responsabilidade: a de se superar, de perseguir e alcançar o sucesso em outro projeto.

Por isso você persiste. Mesmo quando já sabe, em algum nível profundo, que o projeto está morto. Mesmo quando todas as evidências apontam que a janela de oportunidade fechou. Mesmo quando continuar significa apenas desperdiçar mais recursos em causa perdida.

Você persiste não porque acredita, mas porque tem medo do estigma de ter desistido.

A raiz evolutiva da persistência tóxica

Durante centenas de milhares de anos de evolução, a persistência em perseguir recursos escassos era adaptativamente valiosa. Quando o alimento era limitado e incerto, aqueles que desistiam facilmente da caça morriam de fome. Aqueles que persistiam apesar da dificuldade tinham mais chances de sobreviver e reproduzir.

Então você herdou impulso profundo para continuar tentando mesmo quando as chances parecem ruins. Esse impulso salvou seus ancestrais inúmeras vezes. O problema é que ele não distingue entre persistência adaptativa em objetivo viável versus persistência tóxica em projeto morto.

No mundo ancestral, os objetivos eram relativamente simples e as condições mudavam lentamente. Você podia confiar que se algo era possível ontem, provavelmente ainda seria possível amanhã. Hoje você vive em ambiente que muda rapidamente. Janelas de oportunidade se abrem e fecham em questão de meses ou anos. Tecnologias se tornam obsoletas. Mercados se transformam. O que era viável quando você começou pode estar completamente inviável antes de você terminar.

Mas o circuito ancestral de persistência não sabe disso. Ele só sabe que desistir era perigoso. Então você continua remando mesmo quando o barco já afundou, apenas porque impulso evolutivo te programa para persistir.

Quando desistir é sabedoria

Aqui está o que raramente se discute: há momento em que continuar remando não é virtude. É teimosia. Não é determinação. É negação. Não é coragem. É medo disfarçado de perseverança.

Reconhecer esse momento exige tipo diferente de sabedoria. Não a sabedoria para persistir contra obstáculos – essa é relativamente fácil porque sociedade a celebra. Mas a sabedoria para soltar o remo quando a janela fechou – essa é brutalmente difícil porque sociedade a pune.

Quais são os sinais de que talvez seja hora de soltar o remo?

Primeiro: quando as condições fundamentais que tornavam o objetivo viável mudaram irreversivelmente. Não obstáculos temporários que podem ser superados com esforço, mas mudanças estruturais no ambiente que tornam o objetivo impossível ou não mais desejável. A janela que estava aberta quando você começou se fechou.

Segundo: quando você está persistindo não porque acredita no objetivo, mas porque já investiu tanto que desistir parece desperdício. Isso é o que economistas chamam de “falácia do custo afundado” – continuar investindo em projeto ruim porque já investiu muito, em vez de cortar perdas. Recursos já gastos não voltam se você continuar. A única questão relevante é: vale investir recursos futuros?

Terceiro: quando a persistência está custando oportunidades significativas em outras áreas. Cada hora e cada real que você investe em projeto moribundo é hora e real que não investe em projeto com potencial real. O custo de oportunidade pode ser maior que o benefício de eventualmente conseguir.

Quarto: quando você está mantendo projeto vivo por ego ou medo de admitir erro, não porque há perspectiva real de sucesso. Nesse ponto, você está remando para evitar vergonha de ter desistido, não para chegar a algum lugar.

O fracasso que te protege

Mas há algo ainda mais profundo que vale considerar: às vezes, o fracasso te protege de um mal maior.

Há pessoas que têm essa sorte. Ela pode ser percebida e entendida na clareza do continuum da vida. O fracasso, enquanto lição, é frequentemente muito mais poderoso que o sucesso, pois mostra as margens das suas limitações, expõe sua miopia em avaliar situações e contextos, abre espaço para repensar, reinventar, reinovar.

Em 1997, criei uma startup de tecnologia – muito antes do termo “startup” existir no Brasil. Era um guia de cultura e lazer 100% digital em CD-ROM multimídia, em uma época em que internet ainda não havia chegado ao país. Investimos quinze meses de trabalho insano e recursos significativos. Fizemos 180 reuniões em oito meses buscando patrocínio. Chegamos a fechar contratos.

E o projeto morreu antes do lançamento por sucessão de eventos imprevisíveis – crise financeira asiática que derrubou um patrocinador, privatização da Embratel que eliminou outro, morte do Ministro das Comunicações antes de assinar aprovação final.

Foi um fracasso espetacular. Mas enquanto assistíamos na primeira fila a essa derrota pessoal, também vimos mudança radical no mercado. Em poucos meses, a febre do CD-ROM multimídia passou. A internet chegou. Se tivéssemos conseguido lançar o projeto, teríamos tido vida curta com os CD-ROMs. A migração para internet exigiria investimentos vultosos que não tínhamos. Teríamos perdas ainda maiores.

O fracasso me protegeu de desastre maior. E me ensinou lição que sucesso nunca teria ensinado: reconhecer a hora certa para desistir.

Nem todas as lutas devem ser ganhas

Há frase que carrego desde aquela experiência: “Nem tudo são lutas, e nem todas as lutas devem ser ganhas.”

A sociedade te programa para acreditar que toda luta vale ser lutada, que desistir é sempre fraqueza, que persistência é sempre virtude. Mas isso é ilusão perigosa.

Algumas lutas não valem ser lutadas porque objetivo não é realmente seu – é expectativa externa que você internalizou. Algumas lutas não valem ser lutadas porque janela de oportunidade fechou e continuar é apenas desperdiçar recursos. Algumas lutas não valem ser lutadas porque, mesmo que você vença, o custo de vitória seria maior que o benefício.

E algumas lutas, mesmo sendo suas e viáveis, simplesmente não são as mais importantes. Você tem tempo e energia limitados. Escolher lutar uma batalha significa necessariamente não lutar outras. Sabedoria não é apenas sobre quando persistir. É também sobre quais batalhas escolher e quais abandonar.

Desenvolvendo a sabedoria do timing

Então como desenvolver essa sabedoria para reconhecer quando soltar o remo?

Primeiro: cultive desapego de ego. O maior obstáculo para desistir no momento certo não é a perda de recursos investidos. É a dor no ego de admitir que você estava errado, que o projeto falhou, que você não conseguiu. Quanto mais você conseguir separar valor pessoal de resultado de projetos específicos, mais fácil será reconhecer quando um projeto deve ser abandonado.

Segundo: pratique avaliar projetos pela perspectiva de observador externo. Se um amigo próximo estivesse na sua situação exata – mesmo investimento afundado, mesmas perspectivas futuras, mesmos custos de oportunidade – o que você aconselharia? Frequentemente conseguimos ver claramente para outros o que negamos para nós mesmos.

Terceiro: estabeleça critérios claros antes de começar sobre o que constituiria evidência de que deve parar. Não quando já está emocionalmente investido e negação está operando, mas no início quando ainda está relativamente objetivo. Quais sinais indicariam que janela fechou? Que condições fundamentais mudaram? Que tempo ou recursos são máximo razoável antes de reavaliar?

Quarto: busque ativamente evidência que contradiz suas esperanças. Tendência natural é buscar confirmação de que projeto ainda é viável e ignorar sinais de que não é. Inverta isso deliberadamente. Procure razões pelas quais deveria desistir. Se mesmo buscando ativamente você não encontra razões suficientes, então provavelmente ainda vale persistir.

A liberdade de soltar

Há liberdade profunda em desenvolver capacidade de soltar o remo na hora certa. Liberdade de não estar mais preso a projetos mortos por ego ou medo de julgamento. Liberdade de redirecionar recursos para oportunidades com potencial real. Liberdade de reconhecer que desistir de algo que não funciona não é falha de caráter – é exercício de sabedoria.

Quem passa pelo fracasso e aprende a reconhecê-lo como proteção em vez de estigma tem arestas aparadas, ganha cicatrizes psicológicas que fortalecem tecidos mentais. Não pela dor do fracasso em si, mas pela sabedoria de ter aprendido quando lutas devem ser ganhas e quando devem ser abandonadas.

Se o vento parar de soprar, reme. Mas desenvolva sabedoria para reconhecer quando o barco está em vias de afundar, e remar mais forte só te leva mais rápido para o fundo.

Cuide da sua saúde espiritual. Porque ninguém fará isso por você.

Postagem anterior

Próxima publicação

Carregando a próxima publicação...
Siga-nos
Procurar
Que tipo de saúde?
Carregando

A iniciar sessão 3 segundos...

Cadastro em 3 segundos...