Como está a sua capacidade de pensar?

Saúde mental1 mês atrás20 Visualizações

Como você avalia seu desempenho profissional? Como avalia desempenho de sua empresa no mercado? Como avalia economia em contexto geral? Imagino que todas essas avaliações dependem de quão bem informado você está, quanto consome de notícias, análises, dados. Quanto mais você sabe, melhor decide. Informação é tudo.

Mas e se você estiver consumindo informação de forma que te torna progressivamente menos coerente?

A superabundância que empobrece

Herbert Simon, Nobel de Economia, formulou observação penetrante em 1971: “Riqueza de informação cria pobreza de atenção.” Cinquenta anos depois, vivemos verificação empírica brutal dessa tese. E Simon estava sendo otimista.

Atualmente, humanidade produz em um ano mais dados que em cem anos de história registrada. Produção cresce em progressão geométrica. Impossível ter acesso ou consumir tudo que é produzido. Até aí, óbvio. Problema é que mundo digital te entrega muito mais do que consegue absorver, e você tenta acompanhar ritmo: Instagram, TikTok, Twitter, LinkedIn, newsletters curadas, podcasts em 2x, portais de notícias com atualizações ao vivo, notificações push de dezenas de apps, grupos infinitos de WhatsApp, algoritmos de recomendação personalizados para te manter engajado perpetuamente.

Você não tem apenas pobreza de atenção. Você perdeu capacidade de pensar de forma independente. E nem percebe.

O que atenção consome

Tudo tem princípio dual: se você consome informação, informação consome algo de você. Ela consome sua atenção. E atenção não é recurso abstrato – é capacidade cognitiva limitada e preciosa que determina o que você processa profundamente versus o que descarta superficialmente.

No cérebro, processamento de informação funciona através de foco seletivo. Quando você lê este texto, olhos focam em palavras específicas enquanto visão periférica captura ambiente de forma vaga. Cérebro não grava contexto periférico – só o que está em foco de atenção. O que não está, acaba descartado minutos, horas ou dias depois. Responda rápido: o que almoçou há exatos vinte dias? Fato banal, não processado com atenção, foi descartado.

Mesma lógica se aplica a informação. Quando você consome torrente infinita de dados sem tempo para processar profundamente, cérebro descarta praticamente tudo. Você tem ilusão de estar aprendendo porque está constantemente exposto a novidades, mas na verdade está apenas rolando superfície sem nunca mergulhar.

Produção de dados não significa produção de conhecimento. E consumo de dados definitivamente não significa aquisição de conhecimento.

Cérebro ancestral em sobrecarga moderna

Durante aproximadamente trezentos mil anos de evolução humana, ancestrais lidavam com volume radicalmente menor de informação. Informação relevante para sobrevivência vinha de experiência direta – observação do ambiente, interação com grupo social pequeno de talvez cinquenta a cento e cinquenta pessoas, transmissão oral de conhecimento tribal acumulado.

Nesse contexto, cérebro evoluiu para processar informação escassa com atenção profunda e prolongada. Quando caçador ancestral observava padrão de comportamento de presa ou aprendia técnica de fazer fogo, ele tinha tempo e necessidade evolutiva de processar essa informação completamente. Conhecimento era escasso e valioso. Atenção profunda era adaptativa.

Hoje você enfrenta inversão completa. Informação é superabundante e barata. Qualquer fato está disponível instantaneamente através de busca no Google. Qualquer opinião sobre qualquer assunto está disponível em formato de vídeo de três minutos no TikTok. Você não precisa mais reter informação porque pode acessá-la externamente sempre que necessário.

Então o que acontece? Cérebro adapta. Para de investir recursos em processamento profundo porque não parece mais necessário. Você desenvolve hábito de atenção superficial constante – skimming perpétuo em vez de leitura profunda, consumo passivo em vez de reflexão ativa, exposição a ideias em vez de formação de ideias.

A atrofia do pensamento reflexivo

Aqui está o que se perde sem perceber: capacidade de reflexão prolongada e independente. Capacidade de pegar informação bruta, processá-la através de horas ou dias de pensamento cuidadoso, conectá-la com conhecimento existente, formar síntese original, chegar a conclusão própria.

Quando foi última vez que você teve ideia genuinamente original – não opinião que absorveu de podcast ou thread no Twitter, mas pensamento que você realmente desenvolveu através de reflexão solitária prolongada?

Quando foi última vez que você leu algo complexo e passou horas subsequentes apenas pensando sobre implicações, em vez de imediatamente pular para próxima notificação?

Quando foi última vez que você mudou de opinião sobre algo importante através de raciocínio cuidadoso, em vez de apenas adotar nova posição que viu circular em sua bolha algorítmica?

Se respostas são “não lembro” ou “nunca”, você não é pensador independente. É veículo de transmissão de ideias alheias.

O perigo das ideias não-analisadas

David Livingstone, explorador britânico que morreu em 1873, formulou alerta surpreendentemente atual: “O grande perigo para mundo moderno é facilidade das pessoas em aceitar ideias gerais que estão à nossa volta. Essas ideias são tão influentes em nossas vidas que muitas vezes são repetidas ou vivenciadas, sem análise adequada, sem reflexão, e pior, por pessoas que não sabem o que realmente querem dizer.”

Ele estava certo sobre mundo dele. Está infinitamente mais certo sobre mundo atual.

Hoje você não apenas aceita ideias gerais sem análise – você as absorve em ritmo impossível de processar. Algoritmos te entregam fluxo constante de opiniões, análises, hot takes, frameworks mentais, narrativas políticas, teorias conspiratórias, conselhos de produtividade, insights de self-help. Você consome tudo isso como se estivesse se informando, mas na verdade está apenas sendo programado.

Suas opiniões sobre política? Provavelmente eco de opinião formadora que você segue. Sua visão sobre economia? Síntese de análises que algoritmo te mostrou porque confirmam viés que você já tinha. Seus valores sobre relacionamentos, trabalho, sucesso? Amalgamação de mensagens que absorveu de influenciadores que vendem estilo de vida.

Você acha que está formando visão de mundo informada. Na verdade está terceirizando pensamento para algoritmos e influenciadores.

Subjetividade como eco coletivo

Filosoficamente, você tem três dimensões de existência. Realidade objetiva existe fora de você independente de consciência – universo material manifestado. Realidade subjetiva existe apenas dentro de você – suas ideias, crenças, experiências formando consciência individual única. E realidade intersubjetiva existe quando múltiplos indivíduos compartilham ideias – religião, dinheiro, ideologia política são todos conceitos intersubjetivos que só existem porque coletividade acredita neles.

Problema é que sua subjetividade individual – que deveria ser produto de reflexão e experiência pessoal – virou apenas eco de subjetividade coletiva. Você está sem ideias próprias. Tem versão ligeiramente personalizada de ideias que circulam em bolhas algorítmicas que você habita.

Isso não é pensamento. É conformidade.

Recuperando capacidade de pensar

Se você reconhece esse padrão e quer interromper, precisa fazer algo brutalmente difícil no mundo moderno: criar espaço para tédio e reflexão.

Reduza radicalmente imersão em mídia digital. Não como experimento de fim de semana, mas como mudança estrutural de vida. Estabeleça períodos fixos – talvez duas horas por dia total – para consumir informação nova. Fora disso, apenas processe o que já consumiu.

Pare de checar redes sociais, e-mail, notícias a cada dez minutos. Controle compulsão de preencher cada momento livre com consumo de conteúdo. Quando você está esperando em fila, no transporte, com cinco minutos livres, resista ao impulso automático de pegar celular. Apenas… pense. Processe experiências recentes. Reflita sobre ideias que encontrou. Deixe mente vagar.

Você vai experimentar desconforto intenso inicialmente. Sensação de estar perdendo coisas importantes, de ficar desatualizado, de estar desconectado de conversas relevantes. Essa é apenas abstinência de dopamina que algoritmos vinham fornecendo. Efeito colateral pretendido é extraordinário: você ganha tempo livre para pensar.

Leia menos, mas leia profundamente. Em vez de consumir dez artigos superficialmente, leia um livro ou ensaio longo e passe dias pensando sobre implicações. Em vez de absorver opiniões de cinco analistas sobre algum evento, forme sua própria análise através de reflexão cuidadosa sobre fatos.

Escreva. Não para audiência, mas para clarificar pensamento. Escrita força você a estruturar ideias vagas em argumentos coerentes. Revela inconsistências em raciocínio. Transforma consumo passivo em processamento ativo.

Pensamento como habilidade atrofiada

Capacidade de pensar de forma independente e profunda não é dom inato que alguns têm e outros não. É habilidade que atrofia com desuso.

Reconstruir essa capacidade exige esforço deliberado e sustentado. A boa notícia é que essa longa jornada começa com um simples passo. Um a um, absorvendo conhecimento verdadeiro, torna-se prazeroso. O prazer nos estimula a continuar. Então, reencontre esse prazer.

Cuide da sua saúde mental. Porque ninguém fará isso por você.

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