Seja obstinado nas coisas certas

Saúde mental1 mês atrás14 Visualizações

Eu não conheço ninguém que não deseje uma vida feliz. Ou uma vida próspera. Ou uma vida emocionalmente bem resolvida, com família e amigos, em um círculo motivador e enriquecedor. Por outro lado, imagino também que não há ser humano neste planeta que sonhe em ter uma vida miserável, em passar fome, que sonhe em não ter um lar para morar ou um emprego que minimamente o sustente.

Todos desejamos. A questão é: desejar basta?

Os três níveis do processo de realização

Desejar é o primeiro nível do processo de realização. Através do desejo, almejamos algo, ambicionamos ter ou alcançar, cria-se uma tensão em direção a um fim, a um objetivo.

Mas desejar não mobiliza, não movimenta, não constrói. Por si só, o desejo não rompe barreiras, não modifica a realidade, não transcende. Populações carentes em países fragilizados certamente não desejam a sua pobreza, mas não conseguem se livrar dela. É necessário agregar um outro componente ao desejo. É necessária uma forte inclinação. Uma postura interna que gere o despertar para o movimento, uma energia suficientemente firme que se volte ao seu objetivo. A este conjunto de forças internas dá-se o nome de determinação.

Quem é determinado busca um objetivo e não se desvia dele. Está, portanto, em um outro nível no processo de realização, pois agora há um componente que impulsiona em direção ao que se almeja. É uma espécie de processo de viabilização do que se pretende alcançar.

Mas a determinação basta? Em todos os casos? Em que momento ela é insuficiente?

A determinação é insuficiente quando o componente do desconhecido cresce à sua frente, se interpondo entre você e o seu sonho. O desconhecido fragiliza o aspecto racional do propósito ou do seu curso. É aí que entra o terceiro nível: a obstinação.

Uma história pessoal sobre obstinação

Vou contar um caso pessoal, verdadeiro, que me fez questionar uma série de aspectos nas minhas crenças.

Em março de 2010, fiz aniversário. Eu estava disposto a iniciar uma série de novas atividades em diversas frentes. Em uma delas, decidi iniciar um hábito em que nunca acreditei – jogar na loteria. O nome já diz tudo: loteria é um acontecimento imprevisível, improvável, determinado pelo acaso. Não há controle. Não há qualquer consistência racional. As chances são planejadamente mínimas de se ter êxito. E por ser isto mesmo, aleatório e longe de qualquer tipo de controle, eu decidi investir na experiência, já que eu sou uma pessoa muito racional. Eu dei uma chance ao improvável.

Assim, resgatei uma antiga memória familiar: meu pai jogava um cartão da mega sena em que registrava as datas de aniversário da família. Em casa, éramos seis – meu pai, minha mãe, eu e três irmãos. Hoje, somos cinco. Eu, minha esposa, meus três filhos. Tive de apelar para um sorteio adicional para chegar ao sexto número. Ficou assim o cartão com cinco datas de aniversário, mais um número aleatório: 4, 7, 13, 25, 27 e 58. Este último número, lógico, foi o sorteado por mim.

Impus uma regra: estava determinado a jogar em todas as extrações, durante um ano inteiro, até a semana do meu aniversário seguinte, em março de 2011. Seriam cinquenta e duas semanas em que eu deveria acompanhar os resultados e replicar a aposta.

Passou-se o primeiro mês. O segundo. O terceiro. Um incômodo começou a se instalar na minha rotina. Eu estava me esforçando determinadamente para manter o ritmo, mas em algum momento acabei falhando e perdi um dos sorteios da mega sena. Atravessei o quarto mês. No final do quinto, concluí que eu, com esta experiência, tinha somente instalado um hábito incômodo na minha rotina. Jogar todas as semanas me pareceu, finalmente, uma experiência que não geraria frutos, pois a chance de se ganhar o prêmio com um cartão simples, de seis números, é de 1 em 50 milhões. Racionalmente falando, tende a zero. Fique sabendo que a probabilidade de você morrer atingido por um raio é vinte e cinco vezes maior que ganhar na mega sena.

Pois bem. Ao término do quinto mês seguido de jogo, em final de agosto de 2010, desisti da experiência. Mesmo porque, puxando pela memória, acho que consegui acertar minimamente um ou dois números, umas poucas vezes.

Vamos agora para dezembro de 2013. Eu chego em casa depois de um dia de trabalho e encontro a minha esposa em seu computador e meus filhos ao redor. Eles estavam planejando tentar a sorte no gigantesco prêmio da mega sena da Virada. Mais de duzentos milhões de reais. Estavam felizes, sonhando com o resultado improvável de ganhar. Foi então que me lembrei daquela minha solitária experiência de jogar durante um ano inteiro.

Aberto no computador estava um aplicativo que avaliava a sorte, a chance dos seus palpites, quantas vezes os números escolhidos já tinham sido sorteados, os números menos sorteados, etc. Eu digitei 4, 7, 13, 25, 27 e 58.

Na tela apareceu o seguinte: “Parabéns, na extração 1.216, em 22 de setembro de 2010, você teria ganho R$ 45 milhões e 800 mil reais”.

O quê? Como assim? Quer dizer então que eu estive a vinte e três dias de me tornar um milionário, um dos vinte maiores ganhadores da Megasena, e abdiquei da oportunidade? Pois é.

O que isso significa?

Para mim, é simples: a determinação não bastou quando o imponderável se agigantou. Portanto, há um terceiro nível no plano da realização – trata-se da obstinação. Para além da determinação há esse apego forte, excessivo, às próprias ideias e convicções. Quem vê uma pessoa obstinada de perto pode até achá-la teimosa, implicante ou insistente. Antes de ser uma ideia fixa, trata-se somente de perseverança, de firmeza e da constância necessária para se chegar a um objetivo. Muitas vezes, da própria paixão por realizar, por concluir um caminho escolhido.

Faltou-me obstinação. Vinte e três dias antes do sorteio, desisti.

Mas aqui está a pergunta que realmente importa: será que jogar na loteria era o projeto certo para ser obstinado?

A armadilha da loteria e a lição real

Loteria não foi inventada para enriquecer ninguém. Foi desenhada para recolher recursos dos incautos. A matemática é brutal: chance de 1 em 50 milhões significa que você tem vinte e cinco vezes mais chances de morrer atingido por um raio. Perseverar nisso não é sabedoria – é ilusão.

Então a lição não é “deveria ter continuado jogando”. A lição é mais profunda: faltou-me obstinação, sim. Mas será que eu estava investindo obstinação no projeto certo?

E aqui chegamos ao ponto crucial: a maioria das pessoas tem determinação. Algumas até têm obstinação. Mas investem em objetivos que não importam realmente.

A Lei de Pareto aplicada à obstinação

Vilfredo Pareto, economista italiano, observou que oitenta por cento de toda a riqueza estava concentrada nas mãos de vinte por cento da população. Esse princípio foi expandido para diversas áreas: oitenta por cento dos resultados vêm de vinte por cento das ações.

Aplicado à sua vida: provavelmente, oitenta por cento das suas ações diárias produzem apenas vinte por cento dos seus resultados reais. Se pensarmos pelo outro lado, vinte por cento das suas ações têm impacto direto em oitenta por cento do que realmente importa.

Aqui está o problema: você pode estar sendo obstinadamente eficiente nos oitenta por cento de ações que produzem quase nada. Você persevera, trabalha duro, mantém disciplina – mas no projeto errado.

Eficiência versus eficácia

Ser eficiente é fazer as coisas de forma produtiva ou econômica, utilizando processos inteligentes. Ser eficaz é fazer as coisas de forma a obter o máximo de resultados, chegar o mais próximo possível do objetivo que realmente importa.

Perceba: uma coisa não tem nada a ver com a outra. Você pode realizar vinte tarefas diárias de forma eficiente, sem que elas tenham impacto sobre os seus objetivos reais. Isso é eficiência perversa. Fazer com eficiência algo insignificante não o torna importante.

Portanto, o que você faz é infinitamente mais valioso do que como você faz. Eficiência passa a ser relevante apenas se aplicada às coisas certas. Ser eficiente é ótimo, mas ser eficaz é fundamental.

E ser obstinado? Só vale a pena se for nas coisas certas.

Onde você está sendo obstinado?

Observe honestamente: onde você está investindo a sua determinação e obstinação?

Você está sendo obstinado em construir carreira corporativa que não te realiza, apenas porque é o que se espera? Está perseverando em acumular dinheiro além do necessário, sacrificando décadas de vida por segurança que nunca se sente suficiente? Está sendo teimoso em manter relacionamentos mortos por inércia ou obrigação social? Está insistindo em objetivos que foram impostos por expectativas externas em vez de valores autênticos?

Durante centenas de milhares de anos de evolução, perseguir acúmulo de recursos fazia sentido adaptativo porque escassez era real. Então você herdou impulso profundo para perseverar em acumular, em buscar status, em competir por recursos. Esse impulso evolutivo pode estar te fazendo obstinado nas coisas erradas no mundo moderno.

Você pode estar sendo teimosamente eficiente em perseguir miragens – objetivos que não te realizam, que não importam quando você remove as camadas de validação externa, que não justificam o tempo de vida que está investindo.

Seja obstinado nas coisas certas

Passe a observar as pessoas de sucesso autêntico. Aquelas que foram desacreditadas no início. Aquelas que, por não saberem que era impossível chegar ao objetivo que pretendiam, acabaram realizando, contra toda perspectiva desfavorável, contra toda impossibilidade, contra todas as minúsculas probabilidades.

Mas observe também: em que elas foram obstinadas? No que realmente importava para elas, não no que a sociedade dizia que deveria importar.

Na vida, devemos desejar muito, a todo instante. Em alguns momentos, devemos ser determinados. Mas quem quer chegar ao seu objetivo tem de ser obstinado – nas coisas certas.

Identifique os vinte por cento de ações que produzem oitenta por cento do que realmente importa na sua vida. E seja obstinadamente teimoso naquilo. Deixe o resto ir.

Porque obstinação sem sabedoria sobre onde aplicá-la é apenas desperdício espetacular de uma vida.

Cuide da sua saúde mental. Porque ninguém fará isso por você.

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